PRA AQUELES QUE ACHAM QUE DIREITOS HUMANOS SÓ DEFENDE "BANDIDOS".
Relatório vê desrespeito a direitos humanos
de policiais
Estudo da Human Right Watch, organização internacional não
governamental, traz casos de excesso de punição para policiais militares que
criticaram órgão
Por Da redação
access_time9 mar 2017, 00h09
Estudo também
mostra que menos de 10% do efetivo da Polícia Militar eram mulheres no país em
2013 (Nelson Almeida/AFP)
O artigo
5, inciso IX, da Constituição Federal de
1988, diz que “é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença”. Mas, de acordo com o Código Penal Militar,
de 1969, esse decreto não serve para os policiais militares.
Segundo o artigo 166 do código, “criticar [o militar ou assemelhado]
publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a
qualquer resolução do governo” pode resultar em detenção de dois meses a um
ano.
Ou seja,
para policiais militares, expressar opiniões contrárias e
com críticas à instituição em que trabalham não é permitido.
Estudo divulgado nesta quinta-feira pela Human Right Watch, organização
internacional não governamental, mostra excesso de punições a
policiais militares que reclamaram e sugeriram mudanças no sistema militar
brasileiro.
Ao site
de VEJA, Maria Laura Canineu, diretora no Brasil da Human Rights Watch, explica
que a ideia do estudo partiu de várias denúncias relatadas à entidade em que
policiais militares foram expulsos, humilhados e até mesmo presos depois de
exporem suas opiniões.
“Acreditamos
que o excesso na punição e as punições desproporcionais inibem que os policiais
participem do debate público. Nós pedimos reformas nos códigos disciplinares e
que a linguagem da discricionariedade para punição seja reformada”, diz Maria
Laura.
Um jeito
de este cenário mudar, na visão da diretora da entidade, é a implementação de
pedidos, reclamações e denúncias dentro da Polícia Militar. “Hoje, se um
policial quiser denunciar um colega por abuso, por exemplo, pode ser punido por
isso.”
Apesar da
situação atual, Maria Laura acredita que a mudança tende a acontecer em pouco
tempo. “Este ano começou com crise absoluta. Há muito tempo vivemos isso, mas
casos como o do Rio de Janeiro e do Espírito Santo,
mostram que alguma coisa precisa ser feita.”
O
relatório acredita que autoridades brasileiras devem reformar leis que têm sido
usadas para impor punições desproporcionais a policiais militares que se
manifestam publicamente para defender mudanças no modelo policial ou fazer
reclamações. O documento também lembra que as leis internacionais de direitos
humanos conferem aos países considerável – embora limitado – poder discricionário
para impor restrições à liberdade de expressão de membros das forças de
segurança. Elas não autorizam, no entanto, que autoridades imponham sanções
desproporcionais à gravidade das infrações.
Uma pesquisa de
abrangência nacional realizada em 2014 pela FGV em parceria com a Secretaria
Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e pelo Fórum de
Segurança Pública Brasileira mostra que 68,1% dos policiais militares
entrevistados discordam da subordinação da organização ao Exército. Por estarem
vinculadas ao Exército como forças auxiliares, a PM está sujeita ao Código
Penal Militar que foi adotado durante a ditadura.
À Human
Rights Watch, policiais de alta e baixa patente criticaram a estrutura e o
treinamento militares. Segundo eles, a natureza militar perpetua uma visão de
policiais como heróis que combatem o inimigo, o que pode levar ao uso excessivo
da força, especialmente em comunidades pobres, e a altos níveis de estresse
entre os policiais.
Expulsos
por se expressarem
Darlan
Abrantes, PM do Estado do Ceará, foi condenado a dois anos de prisão em julho
de 2016 após publicar, de forma independente, o livro Militarismo: um sistema arcaico de segurança pública, afirmando
que a política militar deveria ser desmilitarizada. Um juiz substituiu a pena
privativa de liberdade por liberdade condicional, mas ele já havia sido expulso
da corporação em 2014, o que destruiu sua carreira. Sua exclusão foi motivada
pela conclusão de que o livro continha “graves ofensas” e que, ao publicá-lo,
Darlan havia demonstrado “total indisciplina e insubordinação”.
As
punições excessivamente severas aplicadas contra alguns policiais têm um grave
efeito inibidor em outros membros da força, que frequentemente se abstêm de
expressar sugestões ou opiniões sobre reformas da polícia por medo de
represálias, mostra o relatório.
Em seu
livro, Abrantes afirma que o país tem um sistema policial “medieval”, no qual
“ao policial de baixa patente não é permitido pensar”. Esses policiais devem
simplesmente seguir ordens e, se criticarem o militarismo, são detidos,
escreveu no livro. O autor acredita que transformar a PM em uma força policial
civil a tornaria mais eficiente na redução da criminalidade e a aproximaria
mais da população.
No ano
passado, Darlan foi condenado a dois anos de reclusão, conforme previsto no
artigo 155 do Código Penal Militar, por “incitar à desobediência, à
indisciplina ou à prática de um crime militar”. O juiz impôs uma suspensão
condicional da pena, determinando que Darlan não seria preso desde que
respeitasse cinco condições: não voltar a delinquir, não ingerir bebidas
alcoólicas, não frequentar casas de jogos ou tavolagem, não portar armas de
fogo ou armas brancas e comparecer ao tribunal uma vez por mês.
“Eu, para
eles, sou um criminoso só porque eu tive a ousadia de pensar diferente, a
ousadia de dizer que o sistema [militar] não funciona mais no nosso país”,
contou à Human Rights Watch. “Sou a prova viva de que a polícia militar não
respeita a democracia nem a liberdade de expressão.”
Outro
caso de punição desproporcional envolve o policial militar do estado do Pará
Luiz Fernando Passinho. Em uma manifestação no dia da Independência do Brasil,
o “Grito dos Excluídos”, Passinho fez um discurso de dois minutos, no qual
reclamou que, durante seus treinamentos, bombeiros e policiais militares
escutam que não têm direitos. “Essa frase deturpa o caráter da nossa missão,
deturpa nosso senso de cidadania e isso se reflete diretamente na nossa relação
com a população”, afirmou Luiz Fernando, vestido à paisana, em seu discurso.
“Nós não podemos aceitar que a nossa livre expressão seja criminalizada”.
O
Comandante Geral da PM do Pará julgou que o discurso de Passinho “atentou
contra a disciplina e a hierarquia militar ao se manifestar de modo a colocar
no seio dos quartéis a discórdia e a desmoralização contra seus superiores”. O
comandante ordenou a detenção de Passinho por 30 dias por ter violado nove
proibições conforme o artigo 37, incluindo “portar-se sem compostura em lugar
público” e a publicação de informações ”que possam concorrer para o
desprestígio da corporação ou firam a disciplina”.
À Human
Rights Watch, Passinho disse que tem sido perseguido por ter se manifestado. Em
setembro, o comando ordenou sua detenção por 15 dias por não ter usado chapéu
enquanto estava com o uniforme, uma infração normalmente punida com uma
advertência. “O comando militar usa as regras de forma arbitrária. Policiais
que cometem verdadeiros crimes escapam de punições.”
Um estudo nacional publicado
em 2016 pelo governo federal concluiu que policiais de baixa patente acreditam
que raramente podem expressar uma opinião diferente de um policial superior no
trabalho. Eles relataram ter frequentemente medo de fazê-lo. Mais de 14.000
praças participaram do estudo.
Muitos
policiais têm medo não apenas de enfrentarem procedimentos disciplinares
formais, como também de sofrerem outras retaliações caso se expressem ou
denunciem problemas. Leandro Bispo, PM do Pará, enfrentou sanções disciplinares
em 2012, 2013 e 2014 associadas a três postagens no Facebook. Uma afirmava que
a polícia apresentava condições de trabalho inadequadas, outra alegava
corrupção e abusos dentro da polícia e a terceira trazia uma crítica que
ironizava as instituições públicas brasileiras.
Em 2016,
ele foi rebaixado de cabo para soldado. À Human Rights Watch, Bispo contou que
no ano passado exigiram que ele devolvesse o valor do aumento de salário de
seis meses que já havia recebido, além de sofrer retaliações informais contra
as quais não teve como recorrer. Seu comandante o transferiu para a cidade de
Porto de Moz, a quatro horas de carro e lancha da sua casa, o que ele acredita
ser uma resposta aos comentários que escreveu ou compartilhou no Facebook.
Em dezembro, foi expulso da PM.
O governo
federal publicou diretrizes nacionais em
2010 convocando os estados a reformarem leis e regulamentos disciplinares de
forma a respeitarem os direitos contemplados pela Constituição. As diretrizes
recomendam que os estados não apenas garantam os direitos dos policiais à livre
expressão – especialmente na internet –, como também estimulem os policiais a
participarem “nos processos democráticos de debate, divulgação, estudo,
reflexão e formulação das políticas públicas” sobre segurança, em conferências,
conselhos, seminários ou pesquisas. FONTE: http://veja.abril.com.br/brasil/relatorio-ve-desrespeito-a-direitos-humanos-de-policiais/